segunda-feira, 11 de maio de 2009

Conto Urbano - Márcia Naomi Shimabukuro (autoria)




Jackson poderia ter sido coisa melhor, mas foi a decepção da mãe, o verme de si mesmo, e a invisibilidade para tantos outros. Nada é tão ruim que não possa piorar. Aos 17 anos, o menino franzino, de pernas finas com ossos aparecendo, encontrou sua válvula de escape. Precisava de aventuras, adrenalina, um friozinho na espinha, e furtar lhe proporcionava um imenso prazer. Era uma maneira de lhe notarem, de darem por sua presença.
Na primeira tentativa, uma mulher tranquila falava ao telefone, numa rua próxima à Praça da República. Jackson olhava, e o objeto lhe atraía cada vez mais, os olhos sugados pela possibilidade de tê-lo em suas mãos. Aproximou-se da vítima sorrateiramente, e sem que pudesse piscar, tomou o celular. A moça atordoada encarou-o num gesto de desespero, indignação, surpresa. Ele, não sentiu remorso. Ela deve ter família que a ama, dinheiro, tudo. Enquanto ele, pobre Jackson, o destino não lhe reservou um nada de mordomia. Estava se vingando da falta de sorte que tivera.
As pernas magras da fome que passara lhe serviram para ser ligeiro. Foi se embrenhando por entre a multidão na cidade, ouvindo os ecos dos gritos de socorro e logo não havia nem sinal dele. Parou para descansar, fatigado, respirando forte. O que faria com o que roubou? Sua mãe estranharia algo de tanto valor, não poderia levar para casa. Pensou que poderia vendê-lo, mas para quem? Discretamente escondeu o celular no bolso da calça, e foi andando até seu bairro. O ônibus que conduz à periferia é um misto de trabalhadores e gente mal encarada. Jackson continuava preso aos pensamentos. Surgiu uma ideia, como não pensou antes? Mora na favela, os traficantes certamente pagariam pelo aparelho com tecnologia de última geração.
Jackson desceu do ônibus e caminhou até um barraco de alvenaria exposta, protegido por dois jovens desconfiados. Pediu para entrar, e foi escoltado por um deles.
-Quero vender isso – disse mostrando o objeto – quanto me paga?
-50 reais- respondeu um homem de barba mal feita, adornado com correntes e um relógio de ouro.
O garoto prontamente pegou o dinheiro e saiu. 50 reais para ele era uma fortuna, um incentivo para continuar sua ilícita prática. Nos dias seguintes os roubos se tornaram cada vez mais frequentes, e Jackson arrecadava um montante maior do que jamais havia visto em sua vida. Escondia a riqueza num velho alçapão, num galpão abandonado no centro de São Paulo. Naquela manhã, a rotina não seria diferente. Dona Leda, sua mãe, a única pessoa que lhe tinha amor, foi acordá-lo:
- Meu filho, levanta! Já são 9 horas!
Jackson levantou e se trocou. O café simples com pão preparado pela mãe foi engolido com voracidade. Saiu de casa apressado, outras vítimas o aguardavam. Uma distraída senhora de idade, um rapaz bem apessoado e um homem de meia-idade tiveram seus bens tomados. Agora era hora de trocar o que obtivera por cifras. Mas sentia que alguém o observava. Sentia os olhos fixos de um alguém que não sabia quem era. Corria, como ele corria... Olhava para trás e alguém o seguia, não havia tempo para raciocinar, só queria fugir e escapar ileso de quem quer que o estivesse caçando. Entrou num velho prédio, subiu os inúmeros andares, mas o desconhecido ainda o perseguia. Não há mais para onde fugir, não há escapatória, não há saída.
Jackson estava no mais alto pavimento e encurralado. Fitou os olhos no inimigo, era um homem. Ele o reconheceu, a voz, a barba mal feita... Era o traficante que lhe pagava pelos objetos roubados.
-Assustado, pirralho? Tá com medinho? Acha que passaria despercebido todo o seu faturamento? Você tava tratando com gente graúda... E a gente gosta de ganhar o máximo de grana, ficar no lucro, saca? Uma morte a mais ou a menos...
-Vocês não sabem onde guardo o dinheiro, a gente pode negociar, vocês podem me deixar vivo e te mostro o dinheiro! – suplicou Jackson.
- Tá me achando trouxa, moleque! A gente já sabe onde tu guarda o tesouro, isso aqui é só queima de arquivo, sacou?
Um estrondo ecoou do alto do edifício. A cidade nunca está tranquila, ainda mais o centro, onde o coração de São Paulo pulsa com maior vigor. Naquela tarde cinzenta, o vermelho coloriu o terraço do Martinelli e um coração deixou de bater. Jackson foi uma vida que passou em branco, não fosse a última página de sua história, tingida de sangue.
Márcia Naomi Shimabukuro (autoria) - FATEC São Paulo - 1°semestre Automação de Escritório

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